As deslocalizações são o maná dos selvagens

Outro mito que os toinos globais gostam muito de apregoar é o famoso benefício de ficarmos com desemprego dentro de casa para dar a comer aos selvagens lá longe.
Com aquela típica fuçanga da “optimização e eficácia capitalista- a outra face do velho marxismo, costumam sacar das “verdades cientificamente comprovadas” que estes males, na verdade, nem são males, são apenas mais riqueza para todos.
Pois bem- a este propósito, o Gray diz o seguinte:

  • «Na teoria clássica do comércio livre, o capital é imóvel. A doutrina de Ricardo da vantagem comparativa — a qual é ainda regularmente invocada na defesa do comércio livre global liberalizado — diz que, quando empresas ou indústrias comparativamente ineficientes diminuem num país, outras crescerão, absorvendo o capital e a mão-de-obra libertados das actividades em declínio. Dentro de cada país, o capital deslocar-se-á para as actividades económicas nas quais é mais produtivo. A vantagem comparativa ricardiana aplica-se internamente nas nações, não externamente entre elas .

    A vantagem comparativa sugere que, num regime irrestrito de comércio livre, a produtividade da afectação de recursos será maximizada dentro de cada país, o que, consequentemente e por inferência, abrange todo o mundo. A medida que o mundo se toma um mercado único, a eficiência e a produtividade será maximizada em todos os países.Ricardo compreendeu que isto somente pode ser verdade enquanto o capital não gozar de mobilidade internacional significativa:
    […] a insegurança do capital, real ou imaginada, quando não está sobre o controlo imediato do seu detentor, conjuntamente com a aversão natural que qualquer pessoa tem em deixar o país onde nasceu e onde tem os seus contactos e em confiar os seus hábitos adquiridos a um governo estranho e — novas leis, dificultam a emigração do capital. Estes sentimentos, que eu teria pena de ver enfraquecidos, induzem a maioria das pessoas com capital a satisfazerem-se com uma baixa taxa de rendimento no seu próprio país em vez de procurarem um emprego mais vantajoso para a sua riqueza em países estrangeiros.

    O contraste entre este requisito teórico do comércio livre global irrestrito e as realidades do mundo do final do século xx, não precisa de grandes comentários. Quando o capital é móvel, procurará obter uma vantagem absoluta migrando para países onde os custos ambientais e sociais das empresas são mais baixos e os lucros mais elevados Tanto na teoria como na prática, o efeito da mobilidade global do capital é o de anular a doutrina ricardiana da vantagem comparativa. Contudo é nessa débil fundação que o edifício do mercado livre global irrestrito ainda assenta.

    O argumento contra a liberdade global irrestrita do comércio e dos movimentos de capital não começa por ser económico. É, em vez disso o de que a economia deve servir as necessidades da sociedade e não a sociedade os imperativos do mercado.

    Em termos estrita e estreitamente económicos é verdade que o mercado livre global é incrivelmente produtivo.
    De igual modo, na contenda entre as economias de mercado livre e os sistemas sociais de mercado, os mercados livres são invariavelmente superiores em termos de produtividade. Não existem grandes dúvidas de que o mercado livre é o tipo de capitalismo mais eficiente economicamente. Para muitos economistas, este facto coloca um ponto final sobre o assunto. Contudo, o que as economias de mercado social fazem não é de modo algum irracional. A prática japonesa de dar emprego a trabalhadores que não são economicamente produtivos, numa variedade de ocupações que não requerem um elevado nível de especialização, não é nem irracional nem ineficiente, desde que um dos critérios de eficiência pelos quais tal política é medida seja o da manutenção da coesão social à custa de evitar o desemprego em massa.

    Como alguns economistas sempre reconheceram, a busca da eficiência económica sem atender aos custos sociais é ela própria irracional e de facto, coloca os requisitos da economia acima das necessidades da sociedade. Isto e, precisamente, o que alimenta a competição num mercado livre global. A negligência dos custos sociais, que é uma deformação profissional dos economistas, tomou-se um imperativo de todo o sistema».

Mais Falso Amanhecer aqui e aqui .

4 comments on “As deslocalizações são o maná dos selvagens”

  1. zazie says:

    RB,

    Estas suas informações são preciosas.

    Posso passar a post este comentário?

    Tudo o que é factual é que importa saber-se.

    Se tiver mais casos de Angola (em geral- porque eu sei que aquele paraíso é demasiado controverso, agradeço).

    bjs

  2. RB says:

    O Estado Chines e o estado angolano fizeram um acordo; a china reconstroi o país ao nivel de infraestruturas e recebe petroleo como pagamento.

    Os materiais importados para as obras são exclusivamente chineses.

    A china concede linhas de crédito a empresas chinesas (estatais e privadas)para assegurar os negócios em angola, mas também ao próprio estado angolano.

    Os trabalhadores das obras são exclusivamente chineses, e trabalham sabados, domingos, e feriados; o trabalhador chinês não tem dia de descanso. As obras chinesas não param nunca.

    Os voos da china e para a china são especiais… vem aos molhos e quando aterram (eu vi) em vez de terem um autocarro a ir ter com o avião, tem um camião de caixa aberta para onde debitam a carga humana chinesa e todas as malas. Eles não passam no controle de fronteira.

    Os chinocas veem-se apenas á noite e estão todos concentrados nos casinos de luanda; é um vício e caracteristica; existe 1,5 milhões de chineses em angola.

    É frequente a venda de artigos de ‘marca’ pelas praias e ruas e muito mais no mercado roque santeiro (o maior mercado paralelo de toda africa); telemóveis nokia (pelo menos de aspecto) top model são vendidos a 10% do preço da marca.

    Recuso-me a comprar medicamentos em luanda; os chineses inundaram o mercado de falsificações de marcas conhecidas; tem exactamente o mesmo aspecto;

    Os esgotos, e condutas de saneamento das obras são um desastre; nas 1ªs chuvas verificou-se a sua inexistencia, apesar de estar lá o buraco. Não são obrigados a fazer etares para tratamento de esgotos.

    A baia está super-poluida… já não ponho os pés na agua de luanda.

    Angola vai organizar o CAN em jan de 2010 (UEFA Africana) os estadios estão a ser construidos pelos chineses… eu, não me sento naquelas bancadas 🙂

    Resumindo, a china imperial e capitalista selvagem está a derreter este país; e não o afirmo por racismo, pois sou… digamos…. uma pessoa aberta a todas as culturas… afirmo-o por considerar que o crescimento chines assenta numa fraude… e que depois da china, virá a india, e depois virá o paquistão, e outros… numa lógica de abutre ou de saque.

    E depois serão estas empresas que enriquecem com a miséria humana, que no ocidente estão a investir e a comprar tudo.

    Raio de globalização sem controle…

    RB

  3. zazie says:

    Pois é, pois é. Isto é tudo uma grande treta. Fiquei impressionada com aquela história dos presos chinocas a trabalharem em Luanda.

    E quem os leva? é alguma empresa estatal?

  4. RB says:

    Olá zazie,

    Antes de mais, olha, parabens por este post, que retrata os temas que na realidade eu considero mais importantes nos tempos actuais, o comercio internacional.

    Acho inclusivamente (embora seja ave rara nesta matéria) que vai ser o tema determinante para o sucesso económico global no futuro.

    Posto isto devo dizer-te que sou daquela espécie exótica de ave que considera que as pautas aduaneiras deviam mudar o conceito base… e passar a considerar uma (sobre)taxa social, não por produtos apenas, mas também sobre países… e que considerasse país por país os elementos geradores de injustiças no comercio mundial: saude no trabalho, mão-d’obra infantil, desreito ecologico, etc. etc etc.

    Essa (sobre)taxa tornaria os produtos de paises que exploram essa situação, menos competitivos… e pelo contrário não prejudicava os produtos de paises que cumprissem com as normas da dignidade humana.

    Desta forma, as empresas competiriam no mercado com justiça (fairness como diz o PA)… justiça umas com as outras e entre povos. O elemento distintivo entre empresas no mercado seria desta forma apenas o mérito de gestão, e não a sacanagem vilipendadora da dignidade dos tempos actuais.

    Sei bem que praticar isto pode ser utopico, mas a criação de um braço na organização do comercio internacional podia ser o inicio da solução.

    Bem isto já vai muito longoooo…

    RB

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